Carta nº2 – Barbell

28 de fevereiro de 2021

Um mês de fundo. E que mês para começar! Fevereiro começou com uma rápida alta de 5% no índice para depois, em 7 pregões, cair 9%. Mês de euforia em IPOs, volatilidade política, incertezas em relação à inflação e taxas de juros americanas, enfim, começou com emoção.

Muitos têm nos perguntado o que escolhemos para compor nossa carteira. É um momento sensível para falar de nomes individuais dado que estamos, aos poucos, captando e tendo que comprar. Como somos transparentes, temos repetido bastante a estratégia que adotamos nesse começo e, assim, revelando o que estamos pensando. Essa carta é sobre isso.

Construir um portfólio de ações é mais complexo do que só escolher as ações das quais mais gostamos. Devemos ter cuidado para entender se elas são correlacionadas, se há concentração em teses ou setores, se estamos inclinados em algum estilo específico (alguns fatores de estilo conhecidos são: valor, baixa volatilidade, momentum, qualidade e tamanho), se estamos correndo muito risco cambial e por aí vai. Como não sabemos o que acontecerá no futuro, é muito importante, pensarmos “e se estivermos errados?” quando construímos um portfólio. Portanto, o portfólio ideal não é necessariamente aquele composto pelas ações que você acha que mais subirão, mas sim aquele composto por ações que você tem gosta e outras que te defendem em caso de erro.

O mais comum ao longo da história nos investimentos é ter opiniões fortes em um sentido, inclinar a carteira para essas ações e abrir mão de um pedaço procurando outras de que o time nem gosta tanto, mas funcionariam muito bem como proteção. O raro é o que está acontecendo agora. Gostamos de duas teses que são, na teoria, antagônicas. Uma funciona como proteção para a outra. Acreditamos que as duas irão bem, mas se estivermos errados, uma delas tenderá a nos defender.

O livro-texto chama esse tipo de investimento de Estratégia do Barbell. Traduzindo para os não-marombeiros, barbell é a barra de supino, ou seja, uma barra com os pesos nas pontas, cuja analogia inspirou algum investidor no passado ao perceber que sua carteira estava concentrada nos extremos a chamá-la assim. Hoje cai até na prova do CFA. A definição simples é essa, operar as pontas, e vários exemplos podem ser dados, como: 1) ao operar renda fixa escolher títulos bem curtos – de duration baixa – e equilibrá-los com títulos bem longos – de duration longa – evitando a parte intermediária da curva, 2) ou a sugestão do Taleb em seu livro Antifrágil, ter uma grande parcela do seu dinheiro em ativos muito seguros, e uma pequena parte em ativos extremamente arriscados. Segundo o autor, foi o que fez com que seu retorno fosse substancial em crises como a de 2008. Nosso barbell é um pouco diferente. Em uma ponta gostamos de commodities. Na outra, tecnologia e saúde, que são setores de alto crescimento. Apesar de antagônicas, são as teses de que mais gostamos hoje, formando um barbell raro, daqueles que não foi feito pensando ex-ante, mas que nos defenderá de qualquer forma. E por que acreditamos nisso? Porque são estilos bem diferentes de investimento. As empresas de tecnologia crescem muito e negociam com múltiplos altos¹, enquanto as empresas de commodities, dado que são cíclicas, negociam em múltiplos mais baixos. Enquanto as empresas de tecnologia sofrem com uma possível inflação no mundo que levaria a maiores taxas de juros, as de commodities se beneficiam. Por outro lado, tudo pode mudar a qualquer momento no cenário de commodities, enquanto o benefício do crescimento secular do e-commerce – como um exemplo para tecnologia – continua por anos e as empresas bem-posicionadas continuarão se beneficiando disso.

No curto prazo o mercado é imprevisível. Desde a vitória de Joe Biden estamos vivendo uma rotação setorial acontecendo nos EUA e que, simplificando, faz investidores trocarem empresas de alto crescimento e múltiplos altos¹ por ações de valor e múltiplos baixos exatamente pelo risco inflacionário descrito no parágrafo anterior. É muito difícil prever até quando esse movimento continuará, por isso a importância do portfólio bem balanceado.

Gostamos muito da aceleração da transformação digital trazida pelas mudanças de hábito vindas com o home-office, e que as empresas de tecnologia da nossa carteira capturam tão bem.  Uma delas é o e-commerce. O crescimento que viria em anos foi acelerado em meses. Mais pessoas aprenderam a fazer compras do dia a dia online. Ou seja, o crescimento agora virá de uma base muito maior de usuários.

O gráfico abaixo ilustra como as vendas online aceleraram durante a pandemia:

Fonte: BTG

Por que gostamos de commodities? Nossa abordagem geral para qualquer investimento é bottom-up, ou seja, precisamos de motivos micro, inerentes à cada empresa, para irmos em frente. Porém, em alguns setores, a dinâmica macro é muito relevante, como nesse caso. Encontramos em commodities uma junção de dinâmicas difícil de ser encontrada ao mesmo tempo: moeda chinesa forte e moeda americana fraca são positivas para commodities, e a cereja no bolo dessa vez é nosso real fraco, o que não aconteceu em outros ciclos. Nada melhor para nossas exportadoras. Além disso, o setor é pró-cíclico e a economia global está se recuperando. Tudo isso em um cenário de restrição de oferta, seja por eventos relacionados à COVID-19 – paradas programadas em plantas como as de celulose estão demorando bem mais que o normal – ou por outras razões como ESG – preocupações com questões ambientais, sociais e de governança – que dificultam expansões de capacidade no curto prazo. Difícil ver um cenário tão positivo para commodities quanto esse, mas como já vimos muitas vezes, tudo isso pode mudar rápido.

Na prática, o conceito deu certo? Obviamente, um mês de cotas não tem nenhuma significância estatística, mas fizemos um estudo que nos pareceu interessante. Comparamos a performance diária das ações que compõem nossa carteira de tecnologia e saúde, normalizando pelo seu tamanho, com a de commodities fazendo o mesmo tratamento. Para ambas, subtraímos a variação do Ibovespa no dia para só analisarmos o retorno excedente. O resultado é esse, abaixo:

Fonte: Encore

Notamos uma correlação negativa de 27%, ou seja, de fato o conceito parece ter funcionado. No mês, commodities foi um bom hedge para a queda em tecnologia. E nos fez conseguir dormir apesar de tanta incerteza.

Esperamos que em um prazo maior os dois setores ganhem do índice. Mas nada melhor do que um pouco de segurança caso nosso cenário esteja errado.

Encore

Por fatores regulatórios ainda não podemos falar de rentabilidade, então aproveitamos esse espaço para contar um pouco sobre como estão as coisas por aqui.

Apesar da ansiedade de todos nós em relação à cota 1, aquele foi apenas mais um dia. Já estávamos rodando uma carteira, fazendo reuniões com empresas, reuniões internas, análises de dados, apresentações de caso há vários meses. O dia 29 de janeiro foi só o dia de implementar a carteira nos fundos oficiais da Encore e de comemorar o nosso nascimento.

Além disso, nesse período testamos nossos processos de trading e backoffice e conseguimos rodar esse primeiro mês sem nenhum problema.

Já acumulamos mais de 700 notas de reuniões e análises, mais de 500 giga de dados no banco quantamental, fizemos um clube do livro (Extreme Ownership, Jocko Willink e Leif Babin) e já combinamos o próximo (The Little Book of Behavioral Investing, James Montier), nos reunimos para diversas apresentações completas do nosso framework de análise de empresas, contratamos mais uma pessoa para nosso time quantamental, abrimos nossos fundos em seis plataformas e estamos na fase final com várias outras.

E já temos mais de quatro mil clientes. Para cada um de vocês, muito obrigado pela confiança!